Dando continuidade à parceria com o artista visual Marco Baptista, hoje trouxemos a lenda do M'Boitatá, já conhecida em vários cantos do país.
A M'Boitatá
Num tempo muito antigo, reza a lenda que houve uma noite tão comprida que as pessoas achavam que jamais veriam a luz do dia novamente. Uma escuridão medonha, a lua escondida, os ventos desaparecidos, tudo no mais absoluto silêncio, nada, nada.
Com isso tudo, os homens passaram a andar cabisbaixos, numa tristeza de dar dó. Como não havia como sair à caça, não havia churrasco, e sem churrasco ninguém se animava sequer a acender uma fogueira. Passavam comendo qualquer coisa que não desse muito trabalho no preparo. Sem saber quando amanheceria, precisavam também poupar as brasas do forno, e a escuridão só parecia aumentar.
As pessoas estavam tão cansadas da noite que seus olhares ficavam parados por horas a fio, observando as pequenas faíscas de um ou outro fogo que ainda se aventurava aceso.
Todos ainda lembravam-se da última tarde de sol, quando este já estava lá pelo poente, e desabou uma chuvarada medonha que caiu durante muito tempo e alagou tudo ao redor. Os rios transbordaram e a água inundou banhados, afogou as canhadas e entrou em tudo quanto é toca de bicho. Inclusive na toca da M'Boi Guaçu.
A bicharada se juntou em pequenas ilhas que se formaram dos morros mais altos. A M'Boi Guaçu acabou saindo de sua toca, espantada pela aguaceira. Ela dormia há meses, e agora acordara faminta! Encontrou os bichos apinhados nos morros e começou a mortandade. Mas a cobra grande só comia os olhos dos animais e deixava o corpo para ser comido pelos abutres. Conforme a água foi baixando, a carniça foi engrossando, e o fedor tomou conta de tudo. E a M'Boi Guaçu comia mais e mais olhos dos animais enfraquecidos por dias e dias sem comida.
Dizem as lendas que o homem guarda em si restos daquilo que come. E assim foi com a M'Boi Guaçu: tantos olhos comeu, e tão brilhosos eram, que seu brilho fazia com que a pele da cobra ficasse transparente e brilhasse muito! E como continuava a comilança, logo parecia um farol no meio da escuridão, de tanto que brilhava!
E foi por isso que quando os homens avistaram a M'Boi Guaçu, não a reconheceram mais. Acreditando se tratar de outro ser, passaram a lhe chamar de M'Boitatá, que em tupi significa algo como "cobra de fogo" ou "coisa de fogo".
Acontece que os olhos encheram a barriga da M'Boitatá, mas não a nutriam, pois que nutrição poderia dar a luz daqueles olhos? E a cobra sentiu que iria morrer, e escondeu-se no meio das carniças. E dizem que quando ela morreu e explodiu, e todos aqueles olhos explodiram junto com ela é que o dia tornou a amanhecer. Mas não de supetão. Foi amanhecendo, devagarote, as estrelas dando o ar da graça, a lua espiando ao longe, e foi tudo ficando mais claro, e mais claro, e mais claro, até que tudo voltou ao normal.
E o espírito da M'Boitatá foi fadado a correr pelo mundo nas noites de verão, correndo pelo campo, pelas coxilhas, pelas lombadas, até altas horas da noite. Dizem que é um fogo amarelo, azulado, que não queima o pasto, e não se apaga na água. Ela se tornou então a protetora das florestas e inferniza a vida de quem quer que tente destruir suas matas e florestas protegidas. No mato, ela fica rolando para lá e pra cá numa dança louca que ninguém entende ou controla. a luz aparece, e pula, e corcoveia e então desaparece.... para aparecer onde ninguém imaginava antes!
Dizem que quem encontrar a M'Boitatá pode até ficar cego. E que, se encontrar com a cobra, só tem dois jeitos de se safar: ou fica parado como uma estátua, de olhos bem apertados, sem respirar, ou monta num cavalo, desenrodilha o laço em uma grande armada e atira em cima da M'Boitatá, puxando o laço de volta até a ilhapa.
Esta lenda faz parte do folclore gaúcho, reescrita por Denise Baptista. Aquarela de Marco Baptista. Esta série de posts é uma parceria entre os blogs Pensando a Educação e Marco Baptista Multimídias.
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